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domingo, 31 de outubro de 2010

António

Lobo Antunes, para mim, é o António.
Tem mais irmãos, mas, neste momento, só ele conta para mim.
Revejo-me nas suas palavras.

«Nunca vou ter tempo para escrever tudo o que queria (.). A sensação que tenho é que somos intermediários entre duas instâncias que nos excedem, que nos ultrapassam, que não entendemos. Eu sei que vou morrer, mas tenho de continuar a trabalhar, para que o meu trabalho fique e os meus livros continuem a interpelar as pessoas», frisou.

Os meus avôs chamavam-se "António", como o escritor. Não conheci o avô paterno (faleceu quando o meu pai tinha 14 anos): pouco sei da vida dele, mas a tradição oral encarregou-se de fazer passar para a história, um homem que, para além de exímio carpinteiro, ocupava o reduzido tempo livre na leitura de textos ligados à religião católica [note-se que estou a falar dum tempo em que, na aldeia, poucos sabiam ler e a religião era, creio, uma forma dominante de ocupação do espírito].
O avô materno, um digno "mestre d'obras" (assim eram conhecidos os pequenos construtores civis) que foi um segundo pai.
Que orgulho sinto por eles.
António também se chamava o meu irmão mais velho. partiu há muito pouco tempo. parece que ainda está aqui.
Lobo Antunes, através da palavra, reuniu-os a todos, à minha volta.
Não conheço nenhuma palavra que possa transmitir aquilo que, nesta hora, sinto.
O breve texto é uma mera tentativa de passar para o 'papel' a densidade desse sentimento.

2 comentários:

  1. Já li algumas obras suas, em tempos de uma entrevista dada por ele, retirei: "Construímos uma pessoa a partir de uma ideia ou construímos a ideia a partir da pessoa?".
    Gostei da homenagem.
    Bjs

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  2. ...essas palavras de António (Lobo Antunes) são na realidade intensas e fazem-nos estremecer... afinal todos nós sabemos que deixaremos sempre uma obra inacabada..

    Tive o privilégio de conhecer o autor, no inverno passado. Havia um homem diferente daquele a que nos habituara durante anos! A fragilidade da vida...

    Gosto muito da sua escrita actual, muito mais intimista, mais poética! Comprei ontem 'Sôbolos rios que vão' que me trouxe de volta a 'De Profundis - Valsa Lenta' de José Cardoso Pires!

    Linda homenagem aos 'António' da sua vida! Heranças profundas que nos guiam... não é mesmo?

    Um beijo,

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